Tese central. A internet foi privatizada pelas finanças e pelas Big Tech e hoje opera um regime necro-bio-tecno-político: infraestruturas digitais classificam, modulam e distribuem vida e morte — otimizando e protegendo alguns corpos (bio), expondo outros como descartáveis (necro), automatizadas por tecnologias e governadas por redes e fluxos de dados (tecno).
Linha do tempo (comprimida).
- 1994–2000: bolha das pontocom → as finanças “descobrem” a internet.
- 2008: crise do subprime → nova investida financeira na tecnologia; lucros de tech superam os do petróleo.
- 2010+: redes sociais + smartphones → corrida global de extração de dados (“dados = novo petróleo”).
- Agora: oligopólios EUA–China; controle privado de cabos submarinos/satélites LEO; volante trilionário da IA (chips + nuvem + modelos + dados).
Colonialismo digital. Cabos e satélites espelham rotas do colonialismo; controle privado enfraquece a regulação estatal e amplia assimetrias de poder.
Estudo de caso — Entre Amigues. Um corte viral (“boyceta”, identidade transmasculina ressignificada por rappers de São Paulo) desencadeou uma onda coordenada de ódio: milhares de vídeos de reação/comentários. Denúncias por discurso de ódio tiveram baixa taxa de remoção; reivindicações de copyright foram mais rápidas e eficazes. A equipe construiu:
• O primeiro dataset em português de ódio contra pessoas LGBTQIA+ (~12 mil entradas; ~2 mil rotuladas manualmente).
• O primeiro modelo de IA (BERT) de código aberto para detectar ódio contra LGBTQIA+ em português (plano: estender a inglês/espanhol).
• Um protótipo aberto de radar legislativo LGBTQIA+ (com modelo IA de AzMina).
• Um relatório a ser publicado e uma estratégia de ação civil pública contra grandes plataformas por facilitarem o ódio.
Ferramentas práticas em destaque. Cursor (IDE de copiloto de código com IA), ComfyUI (encadeamento de modelos para visuais), Ollama (LLMs locais), Hugging Face (datasets/modelos/spaces). Direção: soberania tecnológica; IA aberta e local quando viável.
Chamado político. “A IA deles é para lucro; a nossa é para libertação.” Meta: um futuro anticolonial, aberto e distribuído.
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Autoras/es, obras e conceitos-chave citados
• Donna Haraway, A Cyborg Manifesto → subjetividades ciborgue; deslocamento de “sujeitos” para fluxos.
• Michel Foucault → biopoder; Achille Mbembe → necropolítica (quem pode viver/morrer).
• McKenzie Wark, A Hacker Manifesto; Capital Is Dead → classe vetorista controla vetores de informação; hackear como reprogramar sistemas sociais.
• María Lugones, colonialidade de gênero → binário europeu de gênero imposto para sustentar hierarquias de raça/classe/sexo; online, alimenta ataques à vida queer.
• Judith Butler, Who’s Afraid of Gender? → gênero como performatividade; “anti-gênero” como cola reacionária.
• Yuk Hui (filosofia da tecnologia) e Milton Santos (geografia) → a técnica como organizadora amplamente aceita e pouco compreendida do espaço/sociedade; é preciso compreendê-la para governar.
• Paul B. Preciado, Dysphoria Mundi → capitalismo petro-sexual-racial; internet como aparato central de governo de corpos/desejo; chamado para hackear máquinas semióticas.